E, então Daniel, ainda um menino não se lembra mais da mãe, do rosto, da voz ou do cheiro... do livro "A sombra dos ventos".
Eu quero lembrar da minha mãe! Minha mãe quase chegou a completar um século, se foi um pouco antes disso.
Quero lembrar de quando seu olhar tinha direção, de quando seus cabelos dourados obedeciam seu estilo e suas idas frequentes ao cabelereiro espelhavam sua vontade e vaidade. De quando sua postura e elegância importavam.
De quando seus lindos olhos verdes que sempre invejei, e me perguntava por que não os herdei., exprimiam suas vontades, e de quando nossa união era tão grande, que doía quando nos distanciávamos.
Longevidade, benção ou castigo?
Esse olhar para lugar nenhum, suplicante por dignidade, que exibia no seus dias finais, dependência total de um outro, desistência na existência, quero esquecer.
Quero lembrar de nossas conversas, dos telefonemas diários, onde tudo tinha que ser contado, relatado, Como ela gostava e precisava saber. O desinteresse traz um vazio. Aquele interesse se perdeu junto com o olhar distante.
Quero lembrar de nossa cumplicidade de filha temporã, que chega e renova, rejuvenesce e enche de amor, isso nada e ninguém vai tirar de nós.
Quero lembrar do seu jeito , quando estava feliz de andar pela casa batendo palmas. De quando achava apelidos para suas pessoas , os mais impossíveis, como para o meu caçula, o menorzinho por algum tempo, seu "bostinha", mas com todo o carinho e que o fazia rir e gargalhar e ainda faz mesmo adulto, se encher de saudade.
A longividade,, resultado dos avanços da medicina, nos trazem situações inesperadas e que não eram vividas anteriormente. Uma nova presença aparece nos lares, o cuidador, algumas vezes mais preparado, outras menos, mais carinhosos ou menos, mas hoje ele faz parte da dinâmica familiar, e pertence a ela.
Que Deus nos ilumine na tarefa de acalentar, aliviar e acarinhar sempre nossos queridos...
Conceição Bondioli
domingo, 6 de março de 2022 às 21:03